Sabor do saber - João Figueiredo - O conservadorismo educacional hoje.
Projeto DOSVOX


Sabor do Saber.


O conservadorismo educacional hoje.

 

     Em pleno século XXI ainda se ouve comentários saudosistas de pais, e até mesmo de educadores – alguns já aposentados – sobre a “excelente” qualidade do ensino num passado não muito distante no Brasil. É a exaltação de um modelo pedagógico em que o aluno era apenas um repositório do conteúdo ministrado pelo professor. Modelo cujos defensores destacam-lhe aquilo que denominam “respeito” – leia-se temor – do aluno para com o professor, a quem era obrigado, inclusive, a tratar por “mestre”. Há os que rememoram com orgulho as escolas que só aprovavam os alunos competentes e não reservam espaço aos que não se sobressaíam, sob os auspícios de uma avaliação escolar que, conforme Celso dos Santos Vasconcellos no artigo “Avaliação escolar – perversão dos direitos humanos”): “Serve apenas para classificar o aluno, não tendo repercussão na dinâmica de trabalho em sala de aula, por estar desvinculada do processo ensino-aprendizagem”. A disciplina, ponto basilar desse modelo de ensino, era mantida através da distribuição de notas, suplementada por castigos físicos que iam desde o posicionamento do aluno “infrator” defronte à turma, de pé ou de joelhos, estático por tempo suficiente para lhe provocar estafa e incômodo, até a aplicação, pelo professor, dos chamados “coques” ou “cascudos”, puxões de orelha e golpes de “palmatória”, então denominados de “bolos”.

     Eis, portanto, um sistema educativo destinado a preparar o indivíduo para se tornar submisso a quem estiver posicionado acima dele na hierarquia social e autoritário com os que se situarem abaixo dele nessa escala. Esta é a dinâmica do autoritarismo: o indivíduo primeiro aprende a ser submisso para valorizar a sua ascensão na escala hierárquica e submeter à sua autoridade os que ainda não atingiram a sua posição. Paulo Freire em “A Pedagogia do Oprimido” define bem essa questão ao retratar o poder da palavra: “Em regime de dominação de consciências, em que os que mais trabalham menos podem dizer a sua palavra (...) os dominadores mantêm o monopólio da palavra, com que mistificam, massificam e dominam”. Esse tipo de relação passa, então, a ser alimentado a cada instante nas relações existentes no seio da família, nas práticas religiosas, no meio político e noutros tipos de contatos interpessoais, contudo, é na escola que esse modelo social se fortalece e se reproduz.

      No Brasil, muito se tem defendido sobre os preceitos democráticos e direitos humanos. Discute-se as perspectivas de uma escola libertadora: esse discurso vem se tornando cada vez mais comum; mas será que existe uma prática inerente a esse discurso? Será que existe de fato no Brasil um modelo educativo capaz de formar cidadãos politizados, isto é, conscientes e participantes da realidade na qual estão inseridos?

      Entendemos que, por mais que tenhamos avançado no nosso sistema educacional, os resquícios de um paradigma social autoritário ainda se fazem presentes na nossa cultura, manifestando-se, ora de forma explícita ora de forma dissimulada, especialmente no ensino. A grande prova disto são as defesas apaixonadas de uma educação torturante que ainda ouvimos inclusive de pessoas com nível intelectual elevado – isto nos mostra que o ranço da pedagogia coronelista, varguista, do regime militar e, até mesmo de uma herança colonial, ainda povoam o imaginário de boa parte da população com uma mística de solução milagrosa para os problemas que enfrentamos hoje, especialmente no que se refere à violência urbana. Outra prova inconteste é o poder de manipulação que os políticos conseguem manter sobre a nossa população – se tivéssemos de fato um sistema de educação libertadora, acessível a todos, essa manipulação não seria possível nos níveis que encontramos no dia-a-dia. A pedagogia conservadora normalmente começa em casa, ganha corpo na escola e depois volta para casa, onde se consolida, numa relação dialética.



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