Meus contos.


Um Breve Inventário Sobre a Estética


"A beleza é acima de tudo uma forma de poder!".

Segundo os esteticistas, o senso de estética(extensão da sensibilidade) pode ser estimulado e desenvolvido. A natureza, em suas incontaveis manifestações, sempre tocou fundo minha emoção. Os animais sempre me fascinaram, principalmente os filhotes; estes deram um toque lúdico na minha infância. Cavalos, bois, porcos, cabritos, gatos, cães, aves , estas criaturas , com seus portes, seus tracos, suas peculiaridades, embalaram meus verdes anos. Passava horas adimirando uma ninhada de pintinhos aquelas criaturinhas delicadas, me hipinoti zavam; os cabritinhos, por sua vez, saltitantes, cambaleantes, em suas patinhas tao fragéis, eram a propria imagem da ternura; os gatos com sua eterna malemolencia, os cães incorrigíveis saltimbanco, os bezerros, os potrinhos, cada qual em sua plástica, sempre despertaram em mim uma reverência ao belo e o culto ao estetico. Eu e meus irmãos ficávamos radiantes quando a porca - como num passe de mágica - aparecia em seu chiqueiro cercada de inúmeros filhotes; pretos, marrons, malhados; os inquietos animaizinhos levavam a gente ao delírio; debruçados sobre o chiqueiro, ficavamos

horas acompanhando a cena: a porca deitada por extenso e uma duzia ou mais de impulsivos porquinhos, sugando com um entusiasmo vital as tetas que lhes cabiam. Quando criança, adorava ficar perscrutando o céu, a lua, as estrêlas. Deitado num gramado, que havia no fundo do quintal, acompanhava embriagado o por do sol. A chuva sempre exerceu uma espécie de encantamento sobre minha pessoa. Ela traz a minha alma um quê de paz, recolhimento, me levando normalmente a um mergulho interior. Ainda na casa paterna, tinha como missão diária cuidar do jardin de onde nasceu uma grande cumplicidade com as flores. Horas a fio ficava deslumbrado com elas, principalmente, com as rosas que eram muitas e exerciam grande magnetismo sobre meu espírito.

Entretanto, meu maior alumbramento, minha submissão e reverência completa e definitiva a beleza se deu no início da minha adolescência. A cena, ao longo destes anos, ficou como que arquivada em algum ponto de minha memória, e, por motivos que fogem ao meu entendimento, Constantemente a consulto, as vezes de forma deliberada ou meramente intuitiva. Era agosto e as tardes da cidade, onde nasci e vivi boa parte de minha adoleCÊncia, tinham algo de novo no seu pacato cenÁrio. Os colÉgios e escolas, a todo vapor, davam os Últimos retoques para o desfile do "dia da pÁtria". A todo momento, o centro da cidadezinha se tingia de azul e branco e centenas de silhuetas juvenis davam um toque marcial A paisagem urbana. Em um destes dias, sentado no banco da praÇa da catedral, acompanhava atento a passagem do colégio Santa Maria e descobri aquela estrêla de maior grandeza. Porte olímpico, cabelos negros, rosto expressivo onde sobresaia uns olhos esverdeados e lábios bem generosos. Imponente, ela marchava e comandava aquela espécie de pelotão improvisado, magnetizando os olhares dos transeúndes sobre si. A elegância, a graça, a harmonia de seus movimentos, a nobreza de sua presença, tudo isto, fazia daquela jovem uma estrela diferenciada naquela constelaçao. Desde este dia, a rotina de minha vida foi sensivelmente alterada: os folguedos com a garotada(pipas, gibis, bola, pescarias, etc), perderam a prioridade, cedendo lugar aos apelos do instinto expresso na sexualidade. A presença de Biatriz - colegial que, naquela tarde, hipinotizara os presentes na praça da catedral,- passou a freqentar meu pensamento com regularidade. É deste tempo minha primeira masturbaÇÃo, meus primeiros olhares perscrutadores para as mulheres, enfim, o despertar do culto ao corpo. Conforme me interei depois, a bela morena era filha de um dentista da cidade e era cortejada pela rapaziada daquela "urbis" e redondeza. Era uma festa para meu espírito encontra-la pela cidade: geralmente, com algumas amigas, diante de uma vitrine, em uma sessão do Cine Lux ou simplesmente caminhando pela rua. A beleza do rosto, a força da cabeleira negra, a graça do corpo esbelto e elegante irradiavam uma espécie de facho luminoso, que dava um outro colorido as coisas. Certa vez, quando esquecido da vida, adimirava os peixes no tanque da Praça da Banda, senti uma presença ao meu lado, me virei e deparei com a bela Biatriz. Sozinha, trajava short preto e camiseta amarela; trazia, na cabeça, um boné e, na mão direita um livro. Olhou-me de soslaio, dirigiu-me um sorriso e se curvou sobre o tanque dos peixes. Paralizado diante daquela inesperada presencça, deixei-me ficar, submisso, refém da timidez, o meu implacável algoz. Depois de alguns minutos, ela se ergueu e me olhando de frente falou: - Você é irmão da Helena não é? - Sim, respondi surpreso e inibido. - Diz pra ela que mandei um beijo. Concedeu-me um sorriso por inteiro e se retirou em direção ao sinal. A emoção e surpresa do encontro com aquela deusa do meu universo e o fato de ter sido identificado por ela elevaram minha auto-estima, deixando uma pitada de orgulho em meu espírito. É deste tempo o início de meus embates com a fantasia, o devaneio e o sonho em todas suas formas de expressão. Na roda da rapaziada, no circulo dos moleques, a linda Biatriz era sempre citada como paradigma de beleza e referencial de desejo. O tempo correu, fui morar noutra cidade e anos mais tarde, ao voltar a cidadezinha, soube que Biatriz se casara e fora morar em São Paulo. Caminhando pelas ruas, pracas e jardins da cidade de minha infancia, constatei que ela já não exercia em mim nenhum fascínio. Sua face agora me exibia um sorriso frio, sem brilho, quase inóspito. Um dia antes do término das férias, ao visitar o estúdio de um fotógrafo, deparei com uma foto de Biatriz: no alto da calçada da catedral, vestida de noiva, ao lado de um sorridente rapaz trajando um impecável terno escuro. Como sempre, a beleza singular de Biatriz, obrigou-me prestar reverencia ao poder, expresso naquela estampa, que ria para mim, desta vez com desdém... Caminhei baqueado de volta para casa, com algo de perda impresso em meu espírito, provavelmente seja desta época minha apresentação à solidão.

valdenito de souza Rio de Janeiro, abril de 2001


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