CRONICAS DE MINHA AUTORIA.


O CÂMARA ESCURA

*** Em 1979, quando cursava o segundo grau, o Instituto Benjamim Constant lançou, no Rio de Janeiro, os primeiros câmaras escuras e eu fui um dos pioneiros deste empreendimento. Tratava-se de um convênio entre o Instituto e o Miguel Couto, hospital modelo no qual os alunos cegos que eram bolsistas faziam um estágio no setor de raio x durante seis meses. Após se formarem neste período, os estagiários eram indicados para serem contratados por outros hospitais e clínicas particulares. A câmara escura ficava na unidade de raio x do hospital. Era uma sala pequena, conjhugada a um corredor, circulado por janelas diminutas que propocionam o contato do técnico de raio x com os operadores de camara escura. O trabalho do operador consiste em recolher nestas janelas, os chassis com os filmes. Em seguida, os chassis são abertos em uma bancada da sala e os filmes retirados são colocados na máquina reveladora que, por sua vez, faz a revelação. A película é descarregada em um ambiente contíguo. Todas as etapas deste processo sao feitas no escuro, o que permite aos cegos um completo domínio desta atividade. O operador de câmara escura recebe um adicional de salubridade e tem férias semestrais, em virtude de ficar exposto ao raio x por um tempo excessivo. Na época, eu era programador, mas, encarei essa profissão até que surgisse uma oportunidade na área de informática que tinha mais a ver comigo. Além da alegria de ter contribuído para abrir uma frente de trabalho para nosso seguimento, o que ficou marcado em mim daquela época, foiter tido a oportunidade de conhecer, "in loco", o dia a dia de um grande hospital. O setor de raio x, ficava no coração do hospital e nós fazíamos parte daquela rotina. Convíviamos com os médicos, enfermeiros, tecnicos de raio x, enfim, também fazíamos parte do "metier" hospitalar. Naturalmente, passamos a conhecer de perto as pessoas, bem como, algumas de suas particularidades. Almoçavamos no restaurante do hospital, entre os médicos, e ouvíamos as conversas durante o almoço: - Sabia que a Marina está " dando" para o Murilo? - Puxa! aquela só deu para duas pessoas no hospital, o Filipe e o pessoal da oftalmologia. - Tu sabes, a Leila, ela faz aniversário domingo. Vou dar para ela um vibrador elétrico. Aquela mulher tem um ciclone no útero. - Sabe quem anda comendo o Gustavo agora?! - Não, quem? Até a semana passada era o Robson! - Porra nenhuma, o puto anda daNDO O RABO AGORA PARA AQUELE CRIOLAO LA DA FISIOTERAPIA. - Puxa! Para agüentar um cavalo daquele, só tendo " rabo blindado". Era por aí, companheiros, aqueles médicos , nos seus papos descontraídos não davam bola para quem estava por perto e riam à bessa. Assim, naquele contexto hospitalar, meu colega e eu, no turno da manhã, procurávamos desmistificar a figura do cego e abrir novos horizontes. O Miguel Couto sempre foi um hospital de grande rotatividade e nós, bem no meio daquele burburinho, ficávamos cada vez mais por dentro daquele dinamico universo. Certo dia, houve um tremendo reboliço na emergência e logo ficamos sabendo que havia chegado um cara com uma garrafa de coca-cola enfiada na bunda. Alguém comentou: - Puta que pariu, é o terceiro, sempre esta merda ocorre no meu plantão! Outro cara falou: - Tu tens que ver a cara da bichona, tá com os olhinhos virados! Um outro: - O engraçado é que a coca-cola deste cara é diete! Um dia, chegou um velho de 80 anos que tinha tentado suicídio ingerindo veneno. Danda, um mulato enorme, enfermeiro na emergência, chegou em nosso setor fulo: - Quero ver, agora, como vou dar uma lavagem naquele porra, pois o cara não tem mais nem pregas! Acho que inventaram o termo "pandemônio", exatamente, para definir determinados momentos da emergência de um grande hospital. Enfim, esta foi uma experiência rica e pioneira que nos deu a exata idéia de como é duro descolar um espaço na sociedade. Valdenito De Souza (Rio de Janeiro, 1998) ***


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