contos DE Minha autoria.


A DAMA DA CASA AZUL

"No combate entre você e o mundo, prefira o mundo" (Franz Kafka). Naquela manhã, no fundo do quintal, à sombra generosa de um tamarineiro, viajava deslumbrado ao lado de Flash Gordon em sua nave prateada, cortando os céus, ziguezagueando no meio de uma chuva de meteóros, quando o abrir brusco do portão me trouxe à realidade. Bem nos umbrais, por inteiro, como que se materializando naquele instante, surgiu a figura de um dos Baratas: exatamente ele, meu grande amigo José. Tinhamos a mesma idade, estudavamos na mesma sala no ginázio São José , onde construimos vigorosa amizade. Ergui-me. O Barata caminhou ao meu encontro, estacou à minha frente, tirou a revista de minhas mãos e me olhou nos olhos com aquele jeito bem dele, com a cabeca ligeiramente inclinada para trás. Percebi, no ato, que havia algo de novo no ar. - mocinho, tenho algo pra ti falar e quero segredo. Fêz uma pausa, dando um toque de cumplicidade à conversa. - Ontem, fui à casa da Lia e... Nova pausa, em seguida, narrou-me em pormenores seu "encontro" com a ex-amante do dono do cartório. Lia, filha legítima do alto sertão nordestino , um misto de índia e cigana, era filha do administrador de uma fazenda da região e fora descoberta pelo tabelião, quando este andava pelo interior, a tratar de medição e registro de terras. O dono do cartório, um tal Melinho, pousou seu olhar experiente na menina e, meses depois, ela ocupava uma casa na rua do Condor, onde fazia as vezes de amante do escriba oficial... O consórcio durou dois anos, resistindo bravamente à lâmina afiada da língüa da sociedade local até que, um dia, a sogra do tabelião resolveu defender a honra da filha. Invadiu a casa azul da rua do condor, surrou a manteúda de seu genro e quebrou tudo que encontrou. O fogo dos amantes não resistiu ao escândalo. Lia, a deslumbrante Flor do sertão , juntou os fragmentos materiais e sentimentais, e se refez para a vida. Alguns dias depois, voltou a aparecer na janela da casa azul com seu olhar lânguido, aquele sorriso fugaz e promissor... Proíbida de voltar à casa paterna, assumiu o milenar ofício de cortesã e passou a negociar seu lindo corpo moreno com a rapaziada mais abastada da cidade. Após a narrativa do recém-iniciado no "reino de Eros", ele falou algumas coisas do colégio e, antes de se retirar, ofereceu-se para ser meu intermediário em uma futura visita à casa azul. deixei-me ficar algum tempo digerindo a novidade que me soara ao espírito como uma bomba, sacudindo aquele meu universo de então. Em seguida, caminhei para casa sem me despedir do meu herói que sumira em sua nave cor de prata, sem deixar vestígio. A idéia da visita à casa azul - estimulada principalmente pela narrativa do amigo - como que se incrustou em minha mente e monopolisou meu pensamento, despertando o desejo que passou a me cobrar sua quota de atenção. Caminhando pela cidade sempre achava um pretexto para passar pela rua do Condor, na esperança de ver aquele belo rosto moreno emoldurado pela janela. A idéia de visitar a ex-amante tornou-se uma obsessão em minha vida. Lia era presença constante em meus sonhos, protagonista de minhas fantasias eróticas, parceira em meus devaneios patrocinados pelas fugas que geralmente me acometiam. Não só meu amigo Barata, mas, os outros da turma, passaram a cobrar, com zombaria, a minha estréia na casa azul. - Então, Pixote, da turma da admissão, só você e o Dioclécio ainda não tiveram na casa da lia. As provocações dos colegas mexiam comigo, impingindo em meu espírito um sentimento de inferioridade em relação ao grupo. Uma noite, o Barata aparecceu lá em casa após o jantar e convidou-me para conversar junto ao muro do colégio São José. - Olha aqui, moçinho, tenho novidades: tudo acertado, falei com a Lia. Amanhã, na hora da sessão do cinema, te levo na casa dela. Escolhi esse horário porque o pessoal estará assistindo aquele filme de guerra. Tens até amanhã pra arranjares o dinheiro. Fica frio, mocinho! bico calado, tu vai gostar da coisa! Amanhã, meia hora antes, passo aqui. No dia seguinte, meu amigo pegou-me na hora marcada. Vestido com meu blusão amarelo de gola marron, pés metidos em sapatos Boliche, muita brilhantina no cabelo, envolvido por um misto de ansiedade e expectativa, segui meu camarada na direção da casa azul. Meu amigo Barata procurava me deixar à vontade: - Fica calmo, ela é muito bacana; já fui lá duas vezes. Chegando na casa dela, você dá a volta e bate na porta dos fundos. Quando ela abrir, diz que é o amigo do Barata. Subimos a rua Frei Caneca, pegamos o beco do banco e nos esgueirando pela rua do Joá, alcançamos a rua do Condor. Paramos diante da casa azul de portas cinza. A luz fugindo pelo vidro da janela e um aroma agradável de comida acusavam gente na casa. Barata deu um tapinha em meu ombro, empurrou-me na direção do portão e dizendo que me esperava na praça da catedral, afastou-se. Parei inseguro diante da porta, me refiz algum tempo depois e dei a volta tomando um beco que dava nos fundos da casa. Bati uma, duas vezes e esperei um tempo que me pareceu uma eternidade. A porta se abriu e me vi diante daquela que nos últimos dias tomara como de assalto meu pensamento. Lia trajava bluza rosa , saia azul e tinha os cabelos soltos até os ombros. Ela me fitou em silencio, durante algum tempo e falou: - Você é o amigo do Barata ?! - Sim. - Ele falou comigo que tu vinha. As vigorosas coxas morenas sobressaiam na curta saia azul e os seios firmes sob o fino tecido rosa; o rosto moreno expressivo realçado pelos Lábios carnudos e, principalmente, aqueles olhos de um cinza azulado. Tudo esculturado em plena harmonia, na medida exata, era certamente uma dádiva da natureza. A presença daquela mulher, alvo de meus devaneios, e o sentimento de que a teria nua ao meu lado numa cama, remeteu-me a uma espécie de torpor. - Entra e me espera na sala. A voz dela me trouxe de volta. Entrei e seguindo a direção apontada por ela, fui dar na sala , enquanto a anfitriã entrava no que me pareceu seu quarto. Na sala simples, havia um sofá de couro negro com 3 lugares, uma televisão e uma mezinha de centro, onde uma bailarina, esculpida em jade, exibia toda sua graça. Sentei-me e comecei a folhear uma revista para fingir descontração, enquanto aguardava. Minutos depois, a voz de Lia me pos de volta na casa. -Ei, vem! De pé na porta do quarto, que era contígüo à sala, Lia com os belos cabelos negros penteados e ezalando um perfume que me pareceu Lankaster, me chamava com um sorriso convidativo. Ela se pos de lado e eu entrei na alcova, enquanto a porta se fechava atrás de nós. A cama de casal, um camiseiro envernizado e o criado-mudo no qual um tigre de cristal, em posição de ataque, espreitava sua prêsa, eram as únicas peças do ambiente. Parados no meio do quarto, nos medimos. Ela , tranquila, absoluta, segurou meu olhar: - É tua primeira vez?! - Sim. - Qual tua idade?! - Treze. - Tu já tá no curso de Admissão né?! - É. - Parei na qquarta série. Morava na fazenda, a escola lá era muito fraca. Lia caminhou até o camiseiro, voltou-se e me olhando bem nos olhos, começou a despir-se. Desabotoou a blusa e deixou-a cair sobre o móvel com um movimento comedido e gracioso. A visão dos seios firmes, sob aquela peça frágil, ativou ainda mais meu desejo. - Vem, tira tua roupa ebota aqui. puz-me ao lado dela, e comecei a me despir. A insegurança, a ansiedade, aqueles algozes implacáveis dos debutantes disputavam espaço no meu espírito. Despido, sentei-me numa extremidade da cama e acompanhei embriagado aquele rito sensual. Lia, sempre me olhando nos olhos, trazia nos lábios expressivos, aquele sorriso maternal e ao mesmo tempo com algo de sortilégio .Em um movimento preciso e delicado, tirou a saia, colocou-a junto à blusa e vi por inteiro seu lindo corpo coberto apenas por duas peças ínfimas. Ela andou pelo quarto como se procurasse algo, chegou até a cama e, sob meu olhar de caçador inseguro, se desfez num gesto igualmente gracioso, da calcinha e do sutiã, deixando-os ficar sobre o tapête. Estendeu-se na cama por inteiro. O magnifico corpo moreno, pontilhado por uma penugem delicada, contrastava com a colcha azul de babados brancos. Esta cena ficou registrada em minha mente como um ponto de referencia de minhas fantasias. Vem! A voz, calma e ligeiramente rouca, lembrou-me de que eu fazia parte daquele espetáculo e que deveria assumir meu papel. Meus olhos viajaram no corpo de Lia, adoraram os seios médios e imponentes com os mamilos sinalizando desejo; reverenciaram as coxas fortes e majestosas e se quedaram em festa quando encontraram a rosa negra com seus pêlos reluzentes. Ela fez lugar na cama e deitei-me ao seu lado e repeti a viagem com as mãos. A pele de cetim, o cheiro forte da mulher, a força de sua presença, tudo isto, explodiu no meu espírito, remetendo-me a um turbilhão de emoções. Com a delicadeza e o encanto que nem a lira do mais sensivel poeta descreveria, Lia ergueu o ventre, abriu as coxas e com a voz mais encantadora que já ouvi, convidou: - Vem, vem brincar com tua mulherzinha. Levado pelos braços serenos e decididos de Lia, montei e cavalguei o corcel alado, que, primeiro em um galope tímido e, depois, em um vôo obstinado, conduziu-me para um lugar chamado êxtase, onde provei, na plenitude de meus sentidos, o gozo supremo e indelével do exato instante em que se cruzam morte e renascimento. Fechei o portão atrás de mim, e alcançei a rua. Caminhei de volta para casa, com a alma iluminada por um novo sentimento e o coração batendo num ritmo que não conhecia. Valdenito de Souza Rio de Janeiro, AGOSTO DE 2001


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