contos DE Minha autoria.


Um Estranho Convidado

Era o ano de 1970 e o fato se deu no subúrbio do Rio de Janeiro no pacato bairro de Todos os Santos. Bento era filho único de um casal de meia-idade muito humilde. O pequeno tinha, nesta época, cerca de cinco anos, pernas grossas, cabelos de fogo, olhos esverdeados e uma voz estridente. O pixote parecia encarnar a figura do diabo. Alfredo, seu pai, caminhoneiro desde os 17 anos, sonhava um dia poder comprar seu próprio caminhão e viajar menos. Sua mãe, Dolores, dividia o tempo entre as prendas domésticas, a tarefa de cuidar do filho e o candomblé, culto africano de sua devoçáo, herança dos pais. Assim, a rotina do casal náo era diferente dos demais, a não ser pelas diabruras do pequeno Bento que, a cada dia, exibia um novo repertório de traquinagens e mazelas. Enquanto o pai fazia fretes pelas rodovias do sul, entregando grandes cargas , Dolores tocava a árdua missão de conter o moleque. Por mais que xingasse, gritasse ou castigasse, o fedelho não mostrava nenhuma melhora. Bento não dava tréguas, nem tomava conhecimento dos limites impostos pela autoridade materna.Lá estava o Bento sempre puxando o rabo do pobre Bolinha, o gato que dormitava na dispensa. O satanás vivia pisando na cabeça do Delegado, cachorro de estimação da família e adorava ficar na janela, mostrando a língua para quem passasse e tambEm costumava fazer dos transeuntes alvo de seu estilingue. Dolores, de chinelos em punho, apoderava-se do muleque e descarregava sua ira. Ao fim da surra, sempre bradava: - "Queria que um dia, o diabo surgisse aqui e te carregasse com ele". Ou então: - "Se algum dia me encontrar com o tinhoso, dou-te de presente a ele". A vida do casal seguia seu curso com Alfredo sempre ausente, o sarará cada vez mais levado e Dolores multiplicando e aprimorando as surras que sempre acabavam com a medonha ameaça: "Este menino tem parte com o diabo; se ele um dia aparecer aqui dou-lhe de presente". Certo dia, em um anoitecer chuvoso, diria mesmo sombrio, bento fêz uma das suas. O infante flagrou Bolinha cochilando em um banco na cozinha e,rapidamente, o espírito de porco arquitetou nova diabrura. Aproveitou um descuido da mãe para molhar o rabo do felino com querosene e tocar fogo. Ao deparar com aquela tocha felina e, passado o susto, Dolores mergulhou o gato em uma tina de água e segurou o filho endemoniado. - Agora, tu vai me pagar, diabo do inferno! Desta vez, vai ser chinelo e palmatória". Surrou o diabrete e bateu até cansar. ao terminar, pronunciou o vaticInio de sempre: - Ah, se o diabo aparecesse aqui agora, eu mandava levar este menino! Naquela noite chuvosa e sombria, a lamUria da mulher soou mais alto, fazendo eco. No mesmo momento, surgiu na porta da cozinha, de forma inesperada, um homem trajado de preto. O estranho tinha uma fisionomia indefinida, olhar frio, penetrante e sinistro. A dona da casa ficou paralisada diante de täo inusitada presença e o menino parou de chorar. O ambiente assumiu um aspecto tenebroso. Na porta da cozinha, em posição erecta, o recEm chegado segurou o olhar da mulher que se quedara petrificada. Depois de algum tempo, o que pareceu uma eternidade, o intruso falou: - "A senhora mandou me chamar, madame?!" Silêncio... - "Vim buscar o menino!". A voz do homem era cavernosa; como que saída das profundezas da terra, ecoava ao longe. O estranho adentrou a cozinha e desenrrolou um saco roxo que trazia nas mãos. Em um movimento rápido, preciso e meticuloso pegou o pequeno, meteu-o no saco e jogou-o nas costas de modo mecânico. Dirigiu-se para a porta da cozinha e, ainda nos unbrais, encarou a aterrorizada mulher com um sorriso medonho na face caprina. Depois, desapareceu nas profundezas da noite, quando se ouviu uma explosão que engoliu o estranho viajante e sua carga, impregnando a atmosfera com um violento cheiro de enxofre. Dolores caiu desmaiada. valdenito de souza (maio de 1997)


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