contos de Minha Autoria.


O Dia Que Fernando Pessoa Visitou o Casarão da Praia Vermelha

Naquele dia, o tradicional casarão da praia vermelha, despertou como jamais acontecera em mais de um século de sua existencia. No setor masculino os homens (meninos e rapazes de então) se anteciparam a sirene, e, rápidos e lanceiros se puseram de pés para em seguida disputarem os chuveiros e torneiras. Os inspetores jamais os viram naquele estado : um misto de expectativa e ansiedade. - "Chegou o grande dia, hoje estarei face a face com o grande vate!!!" - falou um. -"O dia mais feliz de minha vida, eu a um passo do meu poeta!" - gritou outro. - "Parece sonho, a "lira" mais reluzente da lingua, em carne e osso entre nós!" - proferiu um outro. Uniformes de gala foram retirados dos armários. nunca, em tempo algum, aqueles sapatos e botas exibiram brilho igual. No setor feminino (as meninas e moças de então) eram tomada por emoção ainda maior. Depois do banho, vestidas em seus trajes de gala, cabelos meticulosamente pentiados, todo brilho e graça da juventude devidamente realçado, deixaram o alojamento rumo ao pátio do colégio, sob forte emoção, como que antevendo o grande momento. Na manhã daquele dia maior, o sol conspirou a favor, e, de dentro de sua veste magestosa, exibiu seu melhor sorriso sobre a cidade. Como que num passe de mágica, o austero casarão da Praia Vermelha, com seu aspecto colonial, seus longos corredores, seu teto elevadissimo, suas intermináveis salas e salões, assumira um ar festivo, lúdico, leve, exalando lirismo e erudição. No pátio, iluminado pelo sorriso generoso do astro rei, meninos e meninas, rapazes e môças, perfilados, transpirando emoção e ansiedade, esperavam o grande momento. Tempo, sonho, desejo - que são feitos da mesma matéria, - se fundiram, e, naquele dia extraordinário, as várias gerações se encontraram.

Coube a Castro Alves (o poeta dos escravos) chefiar a delegação Da velha e mística Bahia. Entre tantos outros lá estavam: Guga, Odin (o mistico), Castro, Bebeto, Melisa e Mariuza. Todos trazendo nos olhos e principalmente na alma a marca precisa da emoção.

Do oriente, Augusto Dos Anjos com ares de mestre sala vanguardiou singular comitiva, na qual veio entre outros, os Belarminos, que eram em sete, e, q, naquela manhã, riscaram o pátio do casarão em suas calvagaduras aladas que ostentavam arreios pratiados. Vieram acompanhando a orla atlântica, declamando aos quatro ventos os versos do poeta.

Dos pampas, impulsionada pelo Minuano, e, chefiada por Quintana ( vate maior dos gaúchos), veio alegre caravana paramentada com as cores expressivas da emoção. Entre outros lá estavam : Santana, Neiva, Juliano, Bauer e Juliana.

Recife, a capital nordestina, ortogou aos seus poetas maiores: Bandeira e Cabral De Melo Neto, a responsabilidade de comandar seus filhos no épico encontro com o poeta luzitano que os franceses um dia chamaram de "estranho estrangeiro". E, bem lá na comitiva recifense, estavam eles, todos igualmente vazados pela emoção: Muna (o professor), Manú (o dirigente), Feitosa (o militante), Matias (o marujo), Yuri (o filho de Olinda), Karine, Neto, Cândido e tantos outros.

Das Minas Gerais, comandada por um sisudo Drumond de Andrade, adentrou o pátio do secular casarão, naquele dia de reverencia ao poeta, vários de seus filhos: Elizabeth (a educadora), Caldeira, Renata, Anselmo, Ernesto, Ana, Lígia, Montanha, Josias, e quantos outros, refém igualmente de grande emoção.

Da Paulicéia Desvairada, Álvares de Azevedo (a lira dos 20 anos), acessorado pelos irmãos Andrades (Mário e Osvaldo) comandou festiva comitiva que invadiu o casarão da Praia Vermelha, depois de fazer o percurso "pulmão do Brasil" / "côrte Tupiniquim" num trem. Lá estavam, entre tantos outros, Bazanela, Edith, Uiara, Láercio, Silas, Romeu, Karol, todos exibindo em suas faces o traço inconfundivel da emoção.

Os cariocas, ligítimos ou adotados, por motivos óbvios, eram em número maior. Naquele dia explendoroso, lá foram visto: os Hildebrant, Virginia (a professora), Zení , Felicissimo, Gáveo, Leniro, Castro Aguiar, Débora, Cida, Pinho Figueredo, Lucas, Lacerda, Queirós (o escritor), André, e muito mais. Todos vieram homenagear e ver de perto o poeta, a "lira" mais reverenciada da lingua mãe. Muitos outros vindos de todos os pontos da grande nação tupiniquim, lá estavam, igualmente covocados pelo instituto da sensibilidade: Poynard (o professor), Didi, Similis, Ducat, Lucas (o paraense) e a Jobis com seu violão a tiracolo e aquela estrela que sempre traz incrustada na testa brilhando como nunca brilhara antes.

Por volta do meio-dia o pátio do célebre casarão da Praia Vermelha estava repleto não havendo lugar para uma viva alma. Homens e mulheres alinhados, em filas paralelas, que, davam um toque marcial aquela concentração de amantes das palavras e da rima. Em certa altura, o burburinho cessou e a atenção de todos foi desviada para uma extremidade do pátio que dava para a escada da biblioteca. Um homem de estatura mediana, trajando um impecável terno azul escuro, usando óculos, caminhava entre os presentes em direção a escada da biblioteca. Andava tranquilo com passos firmes e resolutos, levando embaixo do braço um livro caprichosamente encadernado. O diretor Santos alcançou a escada e antes de galgar os degraus deu um único e breve olhar na direção dos visitantes. No pátio, a emoção atingiu o climax, subjugando a diciplinada platéia. O diretor alcançou o corredor, e adentrou a biblioteca. Na recepção, deparou com o gordo e soturno Almir cochilando no balcão. Cumprimentou o funcionário e pois-lhe nas mãos o livro que trazia: "MENSAGEM" - de Fernando Pessoa, impresso em Braille, primeira obra do poeta maior, no acervo do casarão da Praia Vermelha... --

Valdenito de Souza Em: abril de 2001


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