Bastidores Do Mundo Literário .


Poesia Temática Autoria negada - Jose Neumanne

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Poesia Temática Autoria negada

Talvez a mais famosa NÃO autoria seja a do poema "Instantes", atribuída a Jorge Luís Borges. O "Namorada", de Artur da Távola, é outro que se atribui a Drummond, mas é de Távola. Também um outro, de Eduardo Alves da Costa, seria de autoria de Bertolt Brecht, ou Vladimir Maiakóvski. Vários sonetos de Camões, dizem que ele não os escreveu. Aqui no Ceará temos o Quintino Cunha, poeta e sátiro. Basta surgir uma presepada nova no trecho e a gente diz: É do Quintino! Da mesma forma, na Bahia, Gregório leva a culpa por muita coisa que não fez. É assim mesmo. A seguir, artigo de José Nêumanne Pinto sobre o tema: --- O Borges que não é de Borges (e o García Márquez, que só Deus e o falsário sabem de quem é) Instantes, o mais popular "poema de Borges" - que induziu Roberto Campos e Moacyr Scliar a erro, é profusamente citado em epígrafes de livros de poesia, está impresso em pôsteres e mobiliza multidões de leitores escrevendo para os articulistas que o reproduzem - nunca foi escrito por Jorge Luís Borges. Mas continua navegando na Internet com sua grife falsa, em meio a alertas sobre os perigos do Aspartame, correntes que prometem alimentar crianças pobres com um simples toque na tecla e promessas de cheques em dólares em troca de informações sobre novos procedimentos na rede. E fez escola. Agora, também já circula outro, seu assemelhado, Marionete, também falsamente atribuído a um autor famoso, Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura. Antes que esse poema quase prosaico, piegas e cafona, como o citado acima, torne o autor seu refém, mais famoso por ele do que pela autoria garantida do genial Cem Anos de Solidão, chegou a hora de desmascarar os falsários literários da Internet. Marionete Do segundo, ainda não se conhece exatamente a origem, muito embora já se saiba que partiu de Barcelona, onde fica o escritório da agente literária de García Márquez, Carmen Balcells. A respeito do texto, ela foi categórica, mandando dizer por fax: "Não reconheço uma só palavra como pertencente a Gabriel García Márquez". O jornalista cubano Carlos Alberto Montaner disse não crer que "Gabo tenha escrito algo tão ruim". A escritora brasileira Nélida Piñon, Prêmio Juan Rulfo, ironizou: "O poema é tão ruim que, se fosse meu, eu negaria. Aliás, eu lhe negaria até um cumprimento". O jornalista e escritor Eric Nepomuceno, tradutor de García Márquez, reconheceu que o colombiano escrevera textos de qualidade duvidosa na adolescência, mas afastou a possibilidade da autoria desse por causa das citações do poeta uruguaio Mário Benedetti e do cantor e compositor catalão Joan Manoel Serrat, dos quais o Prêmio Nobel só tomou conhecimento já quando famoso. Instantes Instantes, o "Borges" que Borges nunca escreveu, foi usado pelo deputado federal Luiz Antônio Medeiros num cartão de Natal, reproduzido em pôsteres pelo dono do jornal carioca O Dia, Ary de Carvalho, citado como epígrafe no livro de poesia de Granadeiro Guimarães e encaminhado na semana passada ao jornalista paraibano Carlos Aranha, que o reproduziu em sua coluna diária no jornal Correio da Paraíba, de João Pessoa. Citado uma vez num artigo por Roberto Campos, provocou uma enxurrada de cartas ao economista. Isabel Vieira e Laura Müller deram, em reportagem publicada pela revista Cláudia em dezembro de 1997, uma explicação plausível para o sucesso do poema: "seus versos falam de uma segunda chance na vida que todo mundo gostaria de ter". Deram também uma pista para a origem da confusão com Borges: a verdadeira autora, a americana Nadine Stair, como ele, tinha 85 anos e estava à beira da morte. O poema, originalmente sob o título de Momentos, era uma espécie de testamento dela. A viúva do escritor, Maria Kodama, contou, por telefone de Buenos Aires, que teve o cuidado de ir à Justiça deixar registrado que o texto não era da lavra de Borges e que ela, como sua herdeira, não receberá - nem quer receber - direitos autorais dele advindos. Fê-lo para evitar que sua verdadeira autora, a norte-americana Nadine Stair, venha a reclamar da falsa atribuição de autoria do texto a Borges. Segundo Kodama, "o poema foi publicado originalmente numa antologia editada pela Bantam Books, traduzido para o castelhano e incluído, em 1987, numa revista de New Age chamada Uno Mismo, ao lado de uma caricatura e uma legenda de Jorge Luis Borges. Um locutor de rádio leu a revista, imaginou que o poema fosse de Borges, então já morto, e, assim, o divulgou". O escritor gaúcho Moacyr Scliar sente-se parcialmente responsável por sua divulgação no Brasil, por ter encontrado o texto em Buenos Aires e o publicado em português, em Porto Alegre. Mas, depois, fez questão de reproduzir o esclarecimento de Maria Kodama no jornal. Só que isso até agora de pouco adiantou. O texto continua circulando impresso ou na telinha do computador, como se fosse uma espécie de pecado literário borgiano. Má-fé ou engano? Mesmo havendo indicações de que tudo pode não ter passado de um engano em cadeia, Maria Kodama não afasta a possibilidade de haver uma dose de má-fé na insistente atribuição do poema, que, segundo ela, "é péssimo", ao gênio portenho. A hipótese do engano é reforçada pelo que ocorreu com um trecho do poema No Caminho com Maiakóvsky, de autoria do brasileiro Eduardo Alves da Costa, muito citado como se fosse do alemão Bertolt Brecht, por ter sido incluído num pôster ao lado de um poema do autor de Turandot, ou do gênio russo, certamente por este haver sido citado no título. O problema é que, ao contrário desse caso, em que o poema é de boa qualidade literária, os textos falsos são de má feitura. De Madri, onde mora, pela mesma Internet que dissemina esses equívocos, o jornalista dissidente cubano Carlos Alberto Montaner contou a saga de um chileno chamado Undurraga. Segundo ele, "o tipo misturava versos de Pablo Neruda com editoriais do jornal cubano Granma, compondo poemas falsos que conseguia publicar em publicações especializadas ou inscrevê-los em concursos literários, que vencia por atribuí-los sempre ao grande poeta chileno". O que mais intriga, no caso do falso poema em prosa, de autor desconhecido e atribuído a García Márquez, é ele se assemelhar muito ao falso poema atribuído a Borges, mas de autoria conhecida. É mais um mistério na Internet. *** Instantes Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não sabem, disso é feito a vida: só de momentos - não percas o agora. Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo. De Nadine Stair - Atribuído a Jorge Luís Borges *** Marionete Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo, e me presenteasse um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas definitivamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, senão pelo que significam. Dormiria pouco e sonharia mais, entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais se detêm, despertaria quando os demais dormem, escutaria enquanto os demais falam, e como desfrutaria de um bom sorvete de chocolate... Se Deus me obsequiasse um pedaço de vida, me vestiria com simplicidade, me atiraria de bruços ao sol, deixando descoberto, não somente meu corpo, mas também minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração.... Escriveria meu ódio sobre o gelo, e esperaria que saísse o sol. Pintaria com un sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Benedetti, que ofereceria à lua. Regaria con minhas lágrimas as rosas, para sentir a dor de seus espinhos, e o encarnado beijo de suas pétalas... Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer à gente que quero, que a quiero. Convenceria a cada mulher e homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se enamorar. A uma criança daria asas, mas deixaria que ela aprendesse a voar sozinha. Aos velhos, a meus velhos, ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi de vocês, homens.... Aprendi que o mundo todo quer viver no alto da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta com seu pequeno polegar pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem amarrado para sempre. Aprendido que um homem unicamente tem direito de olhar outro hombre de cima para baixo, quando o tiver ajudado a se levantar. São tantas coisas as que pude aprender de vocês, mas finalmente de muito não haverão de servir porque quando me guardem dentro desta maleta, infelizmente estaria morrendo.... De autor anônimo - Atribuído a García Márquez *** Trecho de No caminho com Maiakóvski Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. De Eduardo Alves da Costa - Atribuído a Bertolt Brecht e Vladimir Maiakóvski. José Nêumanne ***


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