Bastidores Do Mundo Literário .


Visita anônima a um moribundo

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Visita anônima a um moribundo

A relação de Astrojildo Pereira com Machado de Assis é profunda e antiga. Está presente em toda a sua formação e traz marcas fortes em três momentos de sua trajetória. Primeiro, no gesto adolescente e anônimo que o levou a visitar no leito de morte, horas antes da fatídica madrugada de 29 de setembro de 1908, o mestre que tanto admirava. Depois, em 1939, ao publicar o ensaio “Machado de Assis, romancista do Segundo Reinado”, um marco em sua carreira. O terceiro momento, já na velhice, quando, preso pelo regime de 64, Evaristo de Moraes usou para defendê-lo o episódio da visita a Machado de Assis. Com o título de “A última visita”, o “Jornal do Commercio” publicou admirável crônica de Euclides da Cunha sobre o enterro solitário de Machado de Assis, na qual relata a visita de Astrojildo. Pela beleza do texto, vale a pena transcrever um trecho do artigo: “Era pelo menos desalentador tanto descaso —- a cidade inteira, sem a vibração de um abalo, derivando imperturbavelmente na normalidade de sua existência complexa —- quando faltavam poucos minutos para que se cerrassem quarenta anos de literatura (...) Neste momento, precisamente ao enunciar-se esse juízo desalentador, ouviram-se umas tímidas pancadas na porta principal da entrada. Abriram-na. Apareceu um desconhecido; um adolescente, de 16 ou 18 anos no máximo. Perguntaram-lhe o nome. Declarou ser desnecessário dizê-lo: ninguém ali o conhecia, não conhecia por sua vez ninguém; não conhecia o próprio dono da casa, a não ser pela leitura de seus livros, que o encantavam. Por isto, ao ler nos jornais da tarde que o escritor se achava em estado gravíssimo, tivera o pensamento de visitá-lo (...). E o anônimo juvenil —- vindo da noite —- foi conduzido ao quarto do doente. Chegou, não disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão do mestre, beijou-a num belo gesto de carinho filial. Aconchegou-a depois de algum tempo ao peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu. À porta, José Veríssimo perguntou-lhe o nome... Mas deve ficar anônimo. Naquele momento, o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo —- no meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis — aquele menino foi o maior homem de sua terra”. ***


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